Monday, October 02, 2006

Follow the leader

Julgava encontrar-se em estado de liderança. Sim, como um sólido, líquido, gás ou plasma, mas a liderança prende-se sobretudo com as consequências das acções tomadas pelo sujeito que a exerce. Em estado frouxo, inerme, arrancavam-se-lhe vómitos dos fundos batentes do gargomilo que resultavam em largas explanações opinativas. Cortavam-lhe os textos, diziam Alberta, você escreve demais, é um excesso sem sentido, procure ser mais concisa, avisava o editor.
Era uma líder de opinião em crise, quer dizer, era uma líder com dificuldades em reconhecer o falhanço total, tinha começado a fazer opinião depois de ferida pelo insucesso no seu grupo: a falta de reconhecimento entre os seus pares, quiçá subordinados. Eterna recandidata ao mesmo posto de sempre, uma vez não foi eleita, o que chegou para precipitá-la para o negro abismo das ressabiadas colunas de opinião dos jornais mais populares, ditos pluralistas. Cada vez mais caquética, era chamada à acção pelas rádios, decaindo da primeira à última pergunta de cada entrevista.
Havia no entanto quem enaltecesse o estilo grandíloquo e corrente, os estudos da Civilização Helénica em Cambridge, a longa estadia na Grécia para a concretização desses estudos. Gabavam-lhe as traduções do grego antigo. Achava-se possuidora de conhecimentos ímpares sobre a origem do Ocidente e o tema era recorrente, a matriz civilizacional da Europa. Defensora acérrima da Constituição Europeia. Podia ser o liberalismo, os estudos podiam ser em Oxford, podia ser uma longa estadia em Paris.
Estava do lado dos que viveram a revolução de Abril em casa. Porque há dois grupos, os que a viveram na rua, fosse em território nacional ou estrangeiro e os que a viveram recostados no seu sofá doméstico, cultivando o seu já vasto intelecto. Há dias em que ninguém pode ficar em casa, quando a mudança se impõe e o coração fala mais alto que qualquer dever de academia, a insurreição inevitável. Não para todos. Era ela a que mais falava das conquistas e perdas de Abril. Mais das perdas. Falar é fácil, depois de produzido o esforço, diziam.
Havia por isso um enorme vazio moral em toda aquela personalidade incapaz de lidar com o insucesso. O vácuo surgia sempre que abria a boca, o instinto maternal chegava quando decidia apontar rumos a outrem, fosse a quem fosse.Um dia, encontraram-na num café de átrio de estação suburbana, a ler os títulos dos jornais gratuitos. Perguntaram-lhe é você, Alberta Pinto Castro, sim sou eu, deixou de escrever, sim deixei (o choro). Um saudosismo perdulário vagueava no ar, enquanto a farta empregada de mesa se balançava ao som da batida obstinada. Ao som dos Soca Boys, com Follow the Leader.

(Edição on-line do DN Jovem, 29 Setembro de 2006)